segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Fui Emigrante

Estava em plena juventude
Com sonhos a abarrotar 
Tinha pouca experiência
Mas quis me aventurar 

Corri atrás da aventura
Com a força da ilusão
O sonho me despertava
E tomei a decisão

Eu sonhava muito alto
Por vezes mesmo acordado
Eu sentia uma revolta
Era esse o meu pecado

Sem ter eira nem beira
Nem trabalho a agarrar
Sentia uma vontade louca
Só mesmo para emigrar

Eu fazia muitos planos
Voltando sempre atrás
Sem ver a realidade
Era frustração a mais

A emigração era o rumo
Que me encorajava mais
E a falta de experiência
Deixava-me, de pé atrás

Um dia sem muito pensar
Deixei para trás a Madeira
A bagagem era a mágoa
E uns cêntimos na algibeira

Disse adeus à minha terra
À família e ao país
A dor que eu levava
Deixava-me cicatriz

Despedi-me em silêncio
Sem abraçar a ninguém
Comigo levava a mágoa
De deixar a terra mãe

Ao por o pé no navio
Não quis olhar para trás
Tinha o coração partido
Angustiado demais

E assim segui viagem
Indo atrás da ilusão
Deixando a linda Madeira
Levando-a no coração

Cheguei a outro país
Encontrei a realidade
Eu sentia-me tão perdido
Dentro daquela cidade

Batendo de porta em porta
Andando sem direcção
À procura de trabalho
P’ra ter uma refeição

E assim se passaram dias
Desconhecia esse mundo
Sem ter para onde ir
Sentia-me um vagabundo

Em angustia permanente
Sem poder voltar atrás
Ia sofrendo em silêncio 
Esperando encontrar paz

Com as lágrimas pela face
Sem ter onde repousar
Ia vagueando em vão
E a vida a desmoronar

Se o arrependimento matasse
Não tinha sobrevivido
Sentia-me abandonado
Completamente perdido

Quando chegava a noite 
Era outro pesadelo
Não tinha onde reclinar
A não ser o cotovelo

Cada noite que passava
Trazia-me a esperança
Mas o dia terminava
Só ficando a lembrança

Quando tudo se esgotava
Apareceu-me um amigo
Com carinho de irmão
Tirou-me logo do perigo

Ele abriu-me a sua porta
Recebeu-me de coração
Restabeleceu-me as forças
Tirando-me da aflição

Ele aí, me encaminhou
Deu-me a cana p’ra pescar
Especializou-me na arte
E pôs-me asas para voar

Ele tirou-me da rua
Em troca nada pediu
Fez-se de pai para mim
E aos poucos, me ergueu

Hoje tenho uma família 
Vivo com paz e amor
Mas todo o meu sucesso
O devo a esse senhor 

Já regressei à Madeira
Com histórias por contar
Mostro o meu lado bonito
E o outro quero ocultar

Quem um dia tiver de partir
Não saia sem direcção
Onde não somos conhecidos
Todos nos julgam ladrão

Ele a me contar a história
A magoa me transmitia
Deixando a descoberto
A ferida que sentia

Por: Arlinda Spínola

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